MINISTÉRIO PÚBLICO

Conluio em Tomada de Preços gera multas a servidor municipal e motoboys

POR Téle Menechino EM 26 DE setembro DE 2023

Nem só falcatruas com cifras milionárias e escândalos rumorosos ocupam o Ministério Público. Há também as miudezas, sobre as quais pouco ou nada se fala. Uma dessas ocorreu na Tomada de Preços em um processo com Dispensa de Licitação na Prefeitura de Maringá no início da pandemia. Mais especificamente no final de março de 2020, quando um servidor municipal e dois parceiros, donos de MEIs de motoboys, armaram um conluio para obter um contrato de R$ 98,4 mil.

O objeto da Tomada de Preços, com Dispensa de Licitação, foi para “serviços de recolhimento e entrega de resultados de testes sobre Covid-19”. Um dos detalhes descoberto nas investigações é que o servidor era “sócio oculto” dos microempreendedores.

Os três, diante às evidências praticamente irrefutáveis obtidas nas investigações cíveis e penais, assumiram os crimes e fizeram acordos de não persecução cível e penal, esse último com o Gaeco. O conluio não gerou danos ao erário público e no acordo cível, com a 20ª Promotoria, o servidor municipal Thiago de Oliveira Farinha, que é farmacêutico e bioquímico, foi multado e se comprometeu pagar R$ 4 mil em dez parcelas mensais.

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Os outros dois investigados, Jean Reguini Ramos e Cristiano José de Oliveira, estão desembolsando R$ 2 mil cada. Jean em 15 parcelas mensais e Cristiano em dez vezes. Diante dos acordos, os inquéritos abertos pelo Ministério Público do Paraná a partIr de denúncia anômima feita na Central de Atendimento ao Cidadão do MP, foram encerrados sem ajuizamento de ações. O Inquérito na Promotoria de Defesa do Patrimônio Público foi conduzido pelo promotor Leonardo da Silva Vilhena e encerrado em fevereiro deste ano.

Mesmo assim, a história ainda não acabou, já que há várias parcelas das multas por vencer. Os recursos são destinados à Sociedade Eticamente Responsável (SER) e ao Observatório Social de Maringá (OSM).

Fiscal do processo estava em férias

No processo de dispensa de licitação, Thiago de Oliveira Farinha nomeou, à revelia, uma servidora que se encontrava em férias e sequer sabia das atribuições que lhe foram conferidas. No dia 25 de março foi publicada a dispensa de licitação e no dia seguinte o contrato foi assinado. Em consulta ao Portal da Transparência da Prefeitura de Maringá consta que no dia 4 de janeiro de 2021, o servidor estatutário foi removido da Secretaria Municipal de Saúde para a Secretaria Municipal de Gestão de Pessoas.

Sobre o procedimento de Dispensa de Licitação número 045/2020, nada foi encontrado no portal da prefeitura e o Inquérito Penal, conduzido pelo Gaeco, correu sob sigilo. Quanto ao arquivamento do inquérito diante do Acordo de Não Persecução Cível, o promotor argumentou que acordo semelhante havia sido celebrado na área Penal e que, pela sua experiência, o ajuizamento de uma ação levaria anos para ser transitada em julgado “e possivelmente resultaria em uma pena semelhante ou até menor”.

O documento de encerramento do Inquérito Civil Público Público pode ser conferido a seguir.

Promoção de encerramento do inquérito

                                 1.      RELATÓRIO

Trata-se de Inquérito Civil instaurado pela 20a Promotoria de Justiça dessa Comarca (fls. 10/15), em razão de denúncia anônima registrada pela Central de Atendimento ao Cidadão do Ministério Público do Estado do Paraná, relativa a possíveis irregularidades na contratação de serviços de “motoboy” para recolhimento e entrega de exames de COVID-19 pela Prefeitura de Maringá (fls. 02/08).

Primeiramente, juntou-se cópia da Dispensa de Licitação no 045/2020, da Prefeitura Municipal de Maringá (fls. 18/51).

Em seguida, foram juntados aos autos os antecedentes criminais de Jean Reguini Ramos, André Luiz Milhorini e Thiago de Oliveira Farinha, bem como dados relativos a empresas registradas em seus nomes ou em nome de seus parentes e outras informações visando contribuir com as investigações (fls. 54/74).

Ademais, foram ouvidas nesta Promotoria as pessoas de Jean Reguini Ramos, empresário, e Thiago de Oliveira Farinha, servidor público do município de Maringá, cujos depoimentos foram armazenados em arquivo de mídia audiovisual (fl. 89).

Na sequência, expediu-se ofício ao GAECO Regional de Maringá, solicitando cópias dos autos relativos às investigações envolvendo a Dispensa de Licitação no 045/2020, da Prefeitura de Maringá (fl. 95), sendo a resposta juntada à fl. 98.

Após, foi requerido judicialmente o compartilhamento das provas arrecadadas nos autos de Procedimento Investigatório Criminal no 000715295.2021.8.16.0017, bem como nos autos cautelares no 0010014-73.2020.8.16.0017 e no 0014515-70.2020.8.16.0017 (fls. 101/106), o que foi devidamente concedido pelo Juízo da 3 a Vara Criminal de Maringá (fls. 108/109).

Devidamente notificados (fls. 120, 121, 122), realizou-se audiência acerca da possibilidade de celebração de Acordo de Não Persecução Cível com os investigados Thiago de Oliveira Farinha, Jean Reguini Ramos e Cristiano José de Oliveira (fls. 134).

As fls. 170/184, foram juntados os respectivos Acordos de Não Persecução Cível firmados com os investigados, devidamente assinados.

Por fim, expediu-se ofício ao Conselho Superior do Ministério Público para apreciação de promoção do arquivamento, bem como dos referidos ANPCs (fl. 185), sendo a resposta juntada à fl. 186.

E o sucinto relatório.

11. FUNDAMENTAÇÃO

Compulsando os autos, verifica-se que a medida que se afigura mais adequada é o seu arquivamento, nos termos e pelas razões expostas a seguir.

O presente Inquérito Civil foi instaurado em razão de denúncia anônima registrada pela Central de Atendimento ao Cidadão do Ministério Público do Estado do Paraná, relativa a possíveis irregularidades na contratação de serviços de “motoboy” para recolhimento e entrega de exames de COVID-19 no município de Maringá, vez que teriam sido pactuados valores “absurdos” (fls. 02/08).

Assim, durante a instrução deste procedimento, apurou-se que o investigado Thiago de Oliveira Farinha, enquanto servidor público da Prefeitura de Maringá, lotado na Secretaria Municipal de Saúde, foi responsável por levar a efeito o processo de Dispensa de Licitação no 045/2020 do referido Orgão Público e nele incluiu, indevidamente e sem consentimento, o nome da servidora Maíra Castro Aranha como fiscal de contrato, a qual, à época, estava em gozo de período de férias, não tendo sequer ciência sobre o objeto da licitação, tampouco qualquer condição de exercer sua fiscalização (fls. 97/98, DVD anexo aos autos).

Ademais, os investigados Jean Reguini Ramos (sócio formal da empresa Jean Reguini Ramos — MEI), Cristiano José de Oliveira (sócio de fato da empresa Jean Reguini Ramos — MEI) e Thiago de Oliveira Farinha (servidor da Prefeitura de Maringá), mancomunados entre si, frustraram e fraudaram o caráter concorrencial do procedimento licitatório supramencionado, com vistas à obtenção de benefícios próprios (arquivo “investigação policial”, imagens 2, 4, 8, 10, 14, DVD anexo aos autos).

Isso porque o servidor Thiago de Oliveira Farinha encaminhou o procedimento licitatório de forma que eliminasse eventuais concorrentes de Cristiano José de Oliveira, instruindo Cristiano sobre como realizar os orçamentos a serem apresentados à Prefeitura de Maringá, bem como nomeou como fiscal de contrato uma servidora que estava em período de férias e sem ciência da licitação, de forma a eliminar também qualquer fiscalização (audiência perante o GAECO local, em DVD anexo aos autos).

No caso do particular Cristiano José de Oliveira, constatou-se que figura como sócio oculto das duas únicas empresas participantes da licitação, a empresa Plantare, de André Luiz Milhorini, e a empresa vencedora do certame, Jean Reguini Ramos — MEI (arquivo “investigação policial”, imagem 43, DVD anexo aos autos).

Ademais, em relação ao sócio-proprietário da empresa vencedora, Jean Reguini Ramos, este ocultou o fato de que Cristiano era seu sócio, com quem inclusive dividia igualmente o lucro da operação (arquivo “investigação policial”, imagem 43, DVD anexo aos autos).

Diante disso, no dia 25/03/2020, foi publicada a Dispensa de Licitação no 045/2020, da Prefeitura de Maringá, e no dia 26/03/2020 foi assinado o Contrato de Prestação de Serviços no 229/2020, no valor de R$ 98.400,00 (noventa e oito mil e quatrocentos reais) entre a empresa Jean Reguini Ramos — MEI e a Prefeitura Municipal de Maringá. I

Assim, verifica-se a prática de ato de improbidade que violou os princípios da imparcialidade, da legalidade e da moralidade, previsto no art. 11, V, da LIA, por parte dos investigados Thiago de Oliveira Farinha, Cristiano José de Oliveira e Jean Reguini Ramos.

Apesar disso, não se constatou dano ao erário e tampouco está o ato 1 Dispensa de Licitação no 045/2020. Portal Transparência da Prefeitura Municipal de Maringá. Disponível em: http://venus.maringa.pr.gov.br:8090/portaltransparencia/licitacoes/detalhes? Acesso em: 17 fev. 2023. dotado de gravidade extrema.

Desse modo, tendo em vista os princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade e eficiência, entendeu-se que a multa civil seria suficiente para resposta ao ato ilícito perpetrado. Para tanto também levou-se em consideração que o GAECO firmou Acordos de Não Persecução Penal em relação aos investigados.

Por esse motivo, foi firmado Acordo de Não Persecução Cível com o investigado Thiago de Oliveira Farinha, no qual restou estipulado o pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a ser recolhido em até dez parcelas iguais no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) aos cofres da SER — Sociedade Eticamente Responsável Observatório Social de Maringá, a título de multa civil (fls. 170/174).

De modo similar, celebrou-se Acordo de Não Persecução Cível com o investigado Jean Reguini Ramos, sendo pactuado o pagamento de multa civil no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) à SER, em até quinze parcelas iguais no valor de R$ 133,34 (cento e trinta e três reais e trinta e quatro centavos) (fls. 175/179). Também foi celebrado Acordo de não Persecução Cível com o investigado Cristiano José de Oliveira, no qual restou estipulado o pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a ser recolhido em até dez parcelas iguais de R$ 200,00 (duzentos reais) aos cofres da SER — Sociedade Eticamente Responsável — Observatório Social de Maringá, a título de multa civil (fls. 180/184).

Logo, não subsiste interesse processual no ajuizamento de Ação Civil Pública neste caso, vez que a solução alcançada extrajudicialmente para pôr fim à questão se apresenta como razoável, precipuamente diante da atual tendência de se buscar meios alternativos para a solução de conflitos.

Ressalte-se, por derradeiro, que eventual ajuizamento de demanda judicial, pela experiência cotidiana, resultaria na existência de mais uma demanda que, após longos anos de tramitação, traria, quiçá, resultado idêntico ao obtido com os termos de acordo celebrados.

Assim, outra solução não resta senão o arquivamento dos autos, uma vez que, em face do ato de improbidade administrativa em tese praticado, foi imposta aos investigados a sanção de multa civil, prevista na Lei de Improbidade Administrativa, conforme autoriza o art. 133 do Ato Conjunto no 01/2019, da ilustrada Procuradoria Geral de Justiça e da douta Corregedoria Geral do Ministério Público.

111. CONCLUSÃO

Ante o exposto, nos termos dos artigos 64, inciso III, e 143, ambos do Ato Conjunto no 01-2019/PGJ-CGMP, promove-se o arquivamento deste Inquérito Civil, ressaltando-se que os Acordos de Não Persecução Civil firmados abrangem integralmente os fatos e as pessoas nele investigadas.

Ressalta-se, outrossim, que foi instaurado o Procedimento Administrativo no MPPR-0088.22.005613-4, para acompanhamento e fiscalização do cumprimento dos acordos (fl. 185).

Em face do contido no art. 65 e 143, S 20, ambos do Ato Conjunto no 01/2019/PGJ-CGMP, delibera-se pela:

  1. intimação dos interessados, com juntada de comprovantes nos autos;
  2. remessa (a partir de comprovação de intimação) ao Conselho Superior do Ministério Público, no prazo de 3 dias;
  3. anotações pertinentes junto ao sistema PRO-MP.

Deverá a Secretaria, no momento em que for realizado o arquivamento, copiar todos os arquivos eletrônicos da pasta virtual do procedimento que constituam documentos (não se deve copiar as deliberações por já constarem dos autos) em CD ou DVD a ser anexado no procedimento. Em havendo dúvida, solicitar informações pessoalmente a este Promotor de Justiça.

Maringá, 23 de fevereiro de 2023.

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